quarta-feira, 29 de setembro de 2010

SOBRE A PROPRIEDADE E O USO DA TERRA



O filme Metrópolis de Fritz Lang é a mais artística expressão da antiga e da atual mentalidade burguesa capitalista de que a maioria, que tem braços fortes, não precisa de cérebro; e a minoria, que tem cérebros privilegiados, não precisa usar os braços. Basta que haja um coração mediador, como o de Luiz Inácio Lula da Silva, para harmonizar o meio de campo, quando o jogo da vida, também conhecido como luta de classes, ameaça exterminar a minoria rica, descambando para a violência explosiva.

Esse fundamento da plutocracia, que impõe a propriedade privada da terra e dos meios de produção do agro negócio, dirige a história da humanidade, desde o dia em que a macaca pariu o primeiro Adão.

Todos os exemplos da aventura humana abolindo esse pilar grotesco da plutocracia, que resultaram na inclusão social e no êxito econômico extraordinário da propriedade coletiva da terra e dos meios de produção agrícola, foram violentamente erradicados da face do planeta pela minoria dominante.

Assim, foram banidos pela bala do nosso convívio, num mar de sangue de covardes genocídios, Canudos de Antonio Conselheiro, Sete Povos das Missões dos padres Jesuítas e o Paraguai de Gaspar Francia e Solano Lopez. Onde os canhões da opressão foram rechaçados pelo povo organizado, como nas comunas agrícolas na Rússia de Nicolau II, foi necessária a astúcia de cérebros como o de Pyotr Arkadyevich Stolypin.

Concentrando quase toda renda e riqueza da nação, as comunas agrícolas russas, baseadas na propriedade coletiva da terra e dos meios de produção, se constituíam numa nação à parte e se impunham ante o Estado Plutocrático Terrorista, financiando a revolução industrial, enquanto, à beira da ruina, a aristocracia rural agonizava com o seu inútil poderio, prostrada nas maiores áreas das melhores terras, por falta de trabalhadores rurais para fazê-las produzir. Exatamente o que acontecia no entorno da comuna de Canudos, na mesma época.

O Estado Plutocrático russo, depois de tentar, sem sucesso, uma solução armada para destruir as comunas agrícolas e livrar a nobreza e a burguesia russa da miséria, acolheu e pôs em prática a reforma agrária de Stolypin.

Convencida de que era melhor perder, imediatamente, metade de suas melhores terras do que ficar sem terra alguma, em médio prazo, a aristocracia russa aprovou a divisão de suas terras com trabalhadores rurais. A reforma agrária de Stolypin concedeu aos agricultores das comunas a propriedade privada uni familiar de excelentes glebas produtivas.

A adesão em massa de camponeses a essa astuciosa reforma agrária acabou com as comunas, livrou a nobreza da miséria e criou uma nova elite rural.

Bem sucedidos financeiramente, os camponeses mais hábeis passaram a comprar terras de seus vizinhos, aumentando o patrimônio individual. Por sua vez, os inábeis para o cultivo do solo, ou retornavam ao trabalho servil no campo, ou migravam para a periferia das grandes cidades, onde iam beber todo o dinheiro obtido com a venda das terras que lhes foram doadas, engrossando a massa de desempregados, aviltando ainda mais os baixos salários pagos aos trabalhadores industriais. 

Esse modelo de reforma agrária de Stolypin é ainda hoje usado no Brasil em todo mundo capitalista pela classe governante, para iludir os camponeses e fortalecer o agro negócio. Como vemos, o fortalecimento do agro negócio exige ampliação das áreas de cultivo, com a devastação de florestas e de matas ciliares, aumentando a emissão de gases poluentes, a concentração de renda e a miséria. Adotando esse modelo, o Estado Plutocrático Terrorista avaliza a degradação do meio ambiente e amplia a desigualdade social, da qual os ricos terroristas do capital se alimentam e engordam.

Inesperadamente para a classe dominante, o neoliberalismo populista inventado por Lula, com bolsas famílias e outras esmolas, teve o efeito colateral da inclusão social, restringindo a espoliação dos camponeses, levando ao campo e às cidades alento, dignidade e consciência política, mesmo aos trabalhadores rurais estranhos aos movimentos sociais organizados.  

Como na época de Canudos, os latifundiários de hoje voltam a sofrer pela falta de mão de obra. Para não sucumbirem diante do êxodo laboral, são obrigados a arcar com o ônus financeiro e social de ter trabalhadores a seu serviço, ao custo de pagar melhores salários, bancar os encargos sociais e de cumprir o que ainda resta de garantias trabalhistas.

Situação bastante incômoda, principalmente para a pequena burguesia rural, que está desesperadamente clamando pela volta da malvadeza da exclusão social do neoliberalismo elitista de ACM, FHC e Serra, ou de alguma outra astúcia, para resolver esse problema.

Eis que me defrontei com uma tal solução da esperteza pequeno burguesa nacional, quando estive em Banabuiú, no sertão do Ceará, nos dias da lua crescente de agosto de 2010, acompanhando o Encontro Nacional de Comunidades Autossustentáveis, o famoso ENCA.

Fui até lá levado pelo otimismo capricorniano, que me fazia acreditar que veria de perto a prosperidade da sociedade alternativa de Raul Seixas.  Finalmente conheceria as novas comunas agrícolas brasileiras – propriedades coletivas multi familiares, produtivas, orgânicas, preservacionistas e autossustentáveis - criadas nos mesmos moldes de Canudos, Sete Povos das Missões e das comunas russas, no tempo de Nicolau II, exatamente como amigos deslumbrados me falavam.

Mas o que vi no ENCA foi um grande teatro bufão, com atores mambembes, representando o papel de patriarcas provincianos, que se alternavam nos monólogos de chavões pseudo ecológicos, agarrados ao grande bastão do poder. Com esse falo patético nas mãos, exibiam um machismo anacrônico, exacerbado, imitando o gestual explorado por José Celso Martinez em suas bacanais libertárias, no centro de uma grande roda de gente aquecida por uma fogueira ecológica-xamânica, gritando, dançando e cantando em sânscrito.  

Toda essa encenação diária, durante uma semana, um verdadeiro festival de Woodstock, com vagalumes em lugar das grandes estrelas, corpos nus refrescando-se na represa e amores livres embelezando a paisagem do sertão, era feita para tornar lúdico e eficaz exercício diário da arte de sobreviver em condições adversas.

O objetivo mais evidente do ENCA é Vaixas (que quer dizer pequenos proprietários e comerciantes) recrutando Sudras (operários, camponeses), entre os novos hippies rurais, devotos de Krishna, Brahma e Shiva, todas essas pessoas, providencialmente desapegadas de bens materiais, dispostas a trabalhar de graça para os seus senhores, como escravos devocionais, e aceitas pelos seus senhores enquanto forem jovens, belos e fortes servis, para o deleite dos donos da terra. Terra batizada por seus donos de comunidade autossustentável.  

Sem falar na emulação patética de machos aguerridos, talvez na disputa do coração e do corpo das fêmeas mais apetitosas, ou para aparecer perante a grande plateia obediente como o guru principal - o que vi foi o glamour da prática da filosofia hindu de castas, tão simpática à burguesia global, palpitando no coração devoto desse segmento da nova juventude rural brasileira, espontaneamente escravizada, na paz, no amor e na alegria. 

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