“...Não
tenho de ficar buzinando como na Centenário (Avenida Centenário), pois na
ciclovia da Centenário há de tudo, menos bicicletas. Cachorros com donos e sem
donos, cachorrões e cachorrinhos, múmias paralíticas, velhotas indo a passo
arrastado, espinhaço curvado, casais de namorados, estudantes, corredores,
patinadores, carrinhos de bebê, gente que vem pela contramão (bicicletas idem),
pedestres que cruzam a pista para tomar ônibus. Tem de tudo. E o ciclista tem
de adivinhar o que essa gente toda vai fazer, para que lado vai virar, se ouviu
a buzina, etc. e tal.”
O texto
acima foi colhido no instigante artigo de Luiz Britto, mas bem que poderia ser
fragmento de uma carta de Pero Vaz de Caminha, não por uma razão de forma ou de
brilho, mas porque, passados mais de 500 anos da visita de Caminha, o Brasil
continua o mesmo.
O
estrangeiro que hoje chega ao país e se depara com a nossa política econômica
de terra arrasada, política de país pobre, exportador de produtos primários,
agropecuários e minerais, com a indústria de peso entregue ao capital
alienígena e a pequena indústria nacional sucateada, com onerosa, precária e atrasada
infra-estrutura de energia, saúde e transporte, com carga tributária semelhante
à que era imposta pela corte portuguesa, vê que o ambiente brasileiro continua
propício à pilhagem de nossas riquezas naturais e à exploração do trabalho
escravo dos negros, dos brancos genéricos, dos mestiços e do que resta dos
índios.
A rede
norte americana Walmart é um bom exemplo da nossa passividade e submissão
permanente à exploração colonial. Essa rede emprega um número insuficiente de
escravos modernos, sem senzala, para engordar ainda mais o seu lucro, que já sofre de obesidade mórbida.
Na sua gula, usura e ganância por lucros absurdos e fáceis, a rede submete seus clientes a
passar horas e horas nas filas, para pagar preços escorchantes por produtos de má
qualidade, e ainda ser ferido por material cortante nas etiquetas colocadas ao longo
do caminho, por onde é levado a circular.
Hoje,
ao solicitar a uma funcionária - treinada para ser arrogante, com o mesmo
treinamento e educação dada aos funcionários das embaixadas e dos consulados
norte americanos - o favor de providenciar a instalação de um ferrolho para trancar
por dentro o único banheiro em funcionamento no começo da manhã e evitar o
vexame de um cliente ou de uma cliente ser surpreendida em trajes menores, com
as calças na mão, a representante da Walmart respondeu que o banheiro tem que
ficar aberto, porque não pode ser trancado, para impedir que os
moradores de rua lá se tranquem para passar horas e horas fumando crack. Isso
porque a ganância e a usura da rede não permitem que um empregado seja
contratado para monitorar o uso do banheiro, mas os clientes podem continuar
sendo torturados nas filas, explorados no preço, feridos no caminho e enganados
na qualidade.
Todo
esse surrealismo de mercado aconteceu hoje, após um passeio de bicicleta pela
ciclovia da Centenário, quando foi constatando tudo que está escrito na crônica
de Britto Caminha.
A
Ciclovia da Centenário é uma das raras obras realizadas pelo atual governo
municipal, no primeiro mandato, quando o prefeito obedecia ordens de Geddel
Vieira Lima, então ministro do governo federal, e tinha as contas de gasolina
pagas pelo governo estadual do PT. Depois que ACM Neto assumiu com sua equipe a
prefeitura, no segundo mandato do fantoche João Henrique, a gestão municipal
tornou-se o desastre que estamos suportando.
Pedalando,
vê-se que a ciclovia e a pista de pedestres caminham paralelas e em vários
pontos separadas apenas por alguns centímetros de grama rasteira, mas as
pessoas e seus animais preferem circular pela ciclovia, onde se mostram muito
mais felizes e confiantes. O que isso
quer dizer? perguntei aos caracóis de meus cabelos.
A
ciclovia é pintada de vermelho vivo, vermelho forte, vermelho justo, vermelho
firme, que atrai e dá segurança às pessoas, ao contrário da pista de pedestres,
que recebeu uma pintura amarela pálida, cor de menino amarelo, de filhinho de
papai, de netinho de vovô.
Pois que
isso tudo seja um bom presságio para a população, que vai escolher o novo
prefeito de Salvador, no segundo turno votação.
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