Alex Rodrigues
Repórter da Agência Brasil
Brasília - Os 170 índios guaranis kaiowás que
há quase um ano ocupam parte de uma fazenda da cidade de Iguatemi, a cerca de
460 quilômetros da capital sul-matogrossense, Campo Grande, e cuja situação
ganhou destaque nacional nos últimos dias não terão que deixar a área. A medida
vale pelo menos até que a real situação da propriedade seja esclarecida ou que
laudos antropológicos descartem se tratar, como afirmam os índios, de terra
tradicional indígena.
Segundo a Justiça de Mato Grosso do Sul,
diferentemente do que os índios, as organizações indigenistas e o próprio
Ministério Público Federal (MPF) em Mato Grosso do Sul chegaram a anunciar, a
decisão do juiz federal Sergio Henrique Bonachela, da 1ª Vara Federal em
Naviraí (MS), constitui liminar de manutenção de posse e não de reintegração da
área ocupada por 100 adultos e 70 crianças guaranis kaiowás desde novembro de
2011.
A Agência Brasil entrou em contato com a Justiça Federal em Mato Grosso do Sul
hoje (26) de manhã e continua aguardando uma posição oficial sobre o assunto.
O detalhe jurídico que passou despercebido por
muitos pode parecer trivial, mas, na prática, significa que o oficial de
Justiça encarregado de fazer cumprir a sentença vai limitar-se a notificar os
índios de que o terreno pertence, até prova em contrário, aos proprietários da
Fazenda Cambará. O objetivo de uma liminar de manutenção é apenas preservar a
posse de quem já vinha ocupando a área até que a situação seja esclarecida.
Mesmo assim, a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o MPF ajuizaram recursos
contra a decisão no dia 16 de outubro e aguardam o julgamento.
De acordo com o promotor da República Marco
Antonio Delfino, foram os próprios responsáveis pela fazenda que solicitaram a
manutenção de posse. A decisão do juiz federal, favorável ao pedido, foi dada
no último dia 17 de setembro. Como não há representação da Justiça Federal em
Iguatemi, a incumbência de notificar o grupo indígena foi repassada à Justiça
Estadual, por meio de carta precatória. Legalmente, o prazo para que o oficial
de Justiça local notifique todo o grupo termina no próximo dia 8.
Segundo o diretor do cartório do Fórum de
Iguatemi, Marco Antonio Arce, o oficial de Justiça só não começou a notificar
antes os guaranis kaiowás devido à repercussão que o assunto ganhou nos últimos
dias por causa da interpretação de uma carta que lideranças indígenas tornaram
pública.
No texto endereçado ao governo e à Justiça
brasileira, os líderes indígenas falam na possibilidade de morte coletiva ao
referir-se aos possíveis efeitos da decisão da Justiça Federal. Dizem que, após
anos de luta, o grupo já perdeu a esperança de sobreviver dignamente e sem
violência na região onde, segundo eles, estão enterrados seus antepassados. Por
fim, informam, em tom de ameaça, que decidiram integralmente não sair com vida
e nem mortos e pedem que, se for determinado que eles saiam da área, governo e
Justiça enviem "vários tratores para cavar um grande buraco para jogar e
enterrar" os corpos.
Embora a palavra suicídio não seja empregada
nenhuma vez, a interpretação de que o grupo estaria ameaçando se matar em sinal
de protesto gerou uma onda de comoção que ganhou as redes sociais e chegou a
ser noticiada por veículos de imprensa internacionais.
De acordo com o Conselho Indigenista
Missionário (Cimi), embora, na carta, o grupo não tenha falado em suicídio, mas
sim em morte coletiva no contexto da luta pela terra, a medida extrema tem sido
recorrente entre os índios. A organização ligada à Igreja Católica afirma que a
situação de confinamento em áreas exíguas, a falta de perspectivas, a violência
aguda e a impossibilidade de retornarem às terras tradicionais a que estão
sujeitos os vários grupos indígenas que vivem no estado levaram ao menos 555
índios a, isoladamente, tirar a própria vida entre os anos 2000 e 2011.
Especificamente em relação aos guaranis kaiowás, o Cimi lembra que, embora já
haja 43 mil deles espalhados por Mato Grosso do Sul, apenas oito terras
indígenas foram homologadas para o grupo desde 1991.
De acordo com o Ministério Público Federal,
até três meses antes de ocupar 2 dos 762 hectares da Fazenda Cambará, os 170
índios viviam acampados às margens de uma estrada vicinal, na mesma cidade. Na
noite de 23 de agosto, o acampamento foi supostamente atacado por pistoleiros
que, segundo os índios, atearam fogo nas barracas e feriram várias pessoas. O
MPF tratou o episódio como genocídio e pediu à Polícia Federal que apurasse as
denúncias. Ainda segundo o MPF, a área ocupada faz parte de uma reserva de mata
nativa, que não pode ser explorada economicamente e está sendo estudada por
antropólogos da Funai que, em breve, devem divulgar suas conclusões.
Edição: Graça Adjuto
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