Um país é como um navio flutuando num
imenso oceano, ao sabor do vento. E para esse destino de navegar, o navio não
precisa de comando. A sua tripulação é capaz de mantê-lo flutuando por ai,
mesmo durante as crises de fúria do vento, conhecidas como tempestades.
Assim mesmo, como um navio flutuante,
é o Estado. Seus servidores, concursados ou terceirizados, estatutários ou não,
são capacitados para manter o barco sempre navegando, pois navegar é preciso.
O eventual comando seria para dar ao
navio Estado um rumo e uma direção.
No caso aqui do navio Estado da
Bahia, trata-se de um barco à deriva, desgovernado, desde que Otávio Mangabeira
deixou o comando do antigo paquete transatlântico, que hoje não passa de uma
sucata inchada, enfeitada e de pequena cabotagem.
A partir de então, muitos
oportunistas e alguns aventureiros vestiram o chapéu e a fantasia de
comandante, não para dar um rumo ao navio, mas para viabilizar projetos
pessoais de enriquecimento ilícito e facilitar a vida dos passageiros da
primeira classe.
Para tapear os passageiros das
classes inferiores, abandonados nos porões do navio e só lembrados no período
eleitoral, os aventureiros e os oportunistas usam várias máscaras carnavalescas
para conseguir o voto dos excluídos.
Lembro bem de um obscuro marinheiro,
alçado ao comando do navio pelo poder dos canhões, que vestia uma máscara de valente,
honesto, competente e trabalhador. Ele comia dinheiro público e arrotava um
imenso amor pelo navio e por seus passageiros das classes inferiores. Com esse
expediente, o neo oligarca conseguiu acumular imensa fortuna, da noite para o
amanhecer, e se eleger e eleger seu cumpinchas e ainda se impor várias vezes para cargos de comando no país.
Mas todos os comandantes de araque, à
exceção de Waldir Pires e Nilo Coelho, que ficaram muito pouco tempo no
comando, todos eles mantiveram o navio à deriva e não foram homens para dar um
rumo e uma direção ao vapor baiano.
Em vez disso, inventaram uma maneira
eficaz de realizar obras superfaturadas, construindo estradas, escolas,
hospitais, mas sem cuidar de proporcionar vida digna aos servidores públicos e
serviço eficiente aos passageiros, porque pagamento de folha salarial e serviço
público de qualidade não rendem propinas. As associações e sindicatos de
servidores públicos deveriam bolar uma fórmula de garantir a devolução aos
comandantes de 10 ou 20 por cento da folha de pagamento, porque só assim os
servidores públicos passarão a receber salário decente.
Hoje, no auge da mais aguda crise de
falta de governo, só para citar apenas três absurdos exemplos de falta de
comando no governo do navio baiano, o mar do recôncavo continua sendo
bombardeado por falsos pescadores, destruindo um fabuloso patrimônio natural, em
pleno século 21; o remanescente de mata atlântica do seu litoral, outro incalculável patrimônio em extinção, é ainda
invadida, desmatada e incendiada por criminosos, encorajados pela covardia dos
comandantes; e o sistema de transporte
marítimo entre Salvador e a ilha de Itaparica, que continua cobrando caríssimo para
transportar gente como se fosse cachorro sem dono.
Lembro mais uma vez do mesmo obscuro
marinheiro das bravatas, larápio e irresponsável comandante que, sem estudo ou
planejamento algum, mas por mero impulso eleitoreiro, abriu as comportas do
dinheiro público, supostamente para o público, e comprou para o sistema ferry
boat uma lancha muito rápida e confortável, do tipo over marine, gabando-se
demagogicamente de que os ricos iam morrer de inveja dos pobres viajando numa
embarcação de primeiro mundo.
Em pouco tempo de operação, a lancha
caríssima se mostrou inadequada para as condições de navegação na baia de Todos
os Santos e foi sorrateiramente vendida como sucata e não se falou e nem se
fala mais nisso.
Hoje, eu prefiro ser essa metamorfose
ambulante e me transformar num boi, num curral com uma boiada, do que ser
passageiro humilhado nos cacetes armados das estações de passageiros,
semelhantes a campos de concentração para longas esperas, e agredido pelo
serviço de transporte público, prestado pelas concessionárias do sistema ferry
boat.
O pior de tudo é que sabe-se que
existe um acordo espúrio e lucrativo para empresários e políticos comandantes, feito
entre o governo e a atual concessionária do ferry boat, para que ela faça seu
serviço de qualquer maneira, sem obedecer horários ou quaisquer outras regras
de segurança, de qualidade e de eficiência e cobre da sub-boiada o quanto
quiser, pois não haverá fiscalização, nem punição alguma por parte do abúlico
comandante do vapor baiano.
Nos últimos messes, pouquíssimas viagens
dos novos navios negreiros do sistema ferry boat foram feitas no horário
estabelecido, prejudicando ainda mais as vítimas desse transporte infame.
Para o bem de todos e felicidade
geral da pré-boiada, seria bom que a agência reguladora divulgue quantas multas
foram aplicadas e pagas pela concessionária, no ano de 2013 e no começo deste
ano.
Mas isso é exigir muito dos piratas e
do navio pirata. Eles estão armados e nós estamos desarmados e sequestrados. Como
se diz na gíria, estamos comidos e mal pagos.
Durante a fase militar da ditadura do
terrorismo capitalista, escrevi e publiquei no livro Amarelo de fome, verde de medo os versos que transcrevo em seguida,
porque, decorridos mais de meio século, quase nada mudou em nossas vidas e os
versos continuam como se estivessem saindo do forno, ou do “pau-de-arara”.
Caso a realidade do navio onde você
vive seja semelhante à realidade do vapor baiano e você também está retado com
os políticos, com os governos, com a “justiça”, com a falta de segurança, com a
corrupção, com a merreca do seu salário, que acaba antes do fim do mês e com os
juros que você paga aos bancos, para poder continuar se alimentando até o
próximo salário, então, faça como eu, vote nulo!
Seja como eu
um ateu cívico
não acredite em reinos
nem em monarcas
com ou sem soberania
não acredite em ministros
em políticos
tecnocratas
nem em índices de governo,
mas reaja com simpatia
Seja um discreto
violador
de hinos e bandeiras.
cante samba nas paradas
faça carnaval a vida inteira.
E se você for dado
ao cheiro de uma fruta
e gosta de esfregar
o aroma em suas narinas,
faça sempre isso em casa,
como se estivesse
ao pé da árvore
na beirada de um regato
ao sabor da brisa
sibilante
ou murmurante
como na linguagem
dos regatos
de poesia
Ou seja bem ousado
imagine tudo isso
plantado em terra sua
(e não na do cigarro)
Isso tudo
para não ficar por aí
curtindo o sabor das coisas
num tremendo cercado de cimento
sob a pressão
dos apelos
de mendigos
de políticos
de anúncios
e de letreiros
e do barulho
das boiadas mecânicas
em atravancado estouro
rotineiro
Eu sou assim
não me arrependo
Vivo e encaro
minha miséria
com profético desdém
faça isso você também.
Não viva como os crédulos
uma vida angustiada
expelindo do bucho
um hálito azedo de azia e álcool.
Faça como eu
conserve em sua boca
um odor saudável
e com seu sorriso mais sincero
ofereça
sem receio
beijos à sua mulher
no sabor inquestionável
inconfundível
imperial
do mais puro e genuíno
creme dental
multinacional
que solta
tinta da rosca
e suja a pasta
de preto.
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