A privatização,
essa manjada pirataria da elite, ou a privataria,
como a ela se refere o mestre Elio Gáspari, assume proporções descomunais na
cidade de Salvador.
Uma praça
pública, mil vezes abandonada e reformada com o dinheiro do povo, poucos dias
após a sua mais recente reinauguração, que quer dizer, poucos dias após ser
entregue novinha em folha ao povão, foi violentamente privatizada, cercada,
bloqueada, por uma obra privada dos patrões do carnaval. Várias vistosas e
acintosas placas vermelhas com letras brancas informam que se trata da obra
Camarote Salvador. Obviamente, trata-se de uma obra ilegal, clandestina,
gozando da conhecida impunidade seletiva, porque não existe a placa obrigatória
com os dados do Alvará de Construção, nem a necessária placa acusando a
vistoria do Conselho Regional de Engenharia
Será que existe
algum servidor público capaz de assinar um alvará dessa natureza,
explicitamente fruto de um negócio entre amigos, feito pela cúpula da
administração municipal com os donos do carnaval? Quem mais vai meter a mão
nessa cumbuca?
Mas trata-se de
Salvador e aqui sempre aparece mais gente metendo a mão.
Com a “obra” há
mais de meio caminho andado, eis que surge repentinamente, imponente, uma placa
oficial, uma vistosa “chapa branca” com as cores e a bandeira do Brasil, que,
com os seus dizeres, expõe ao escárnio popular e atesta essa coisa ridícula que
é também o governo federal. Diz a placa surreal exatamente o seguinte: Área de uso comum do povo-Praia. Permissão
de uso autorizada pela Superintendência do Patrimônio da União, SPU/BA. Ministério
do Orçamento, Orçamento e Gestão. Quer dizer, uma placa que define um espaço
como praia de uso comum do povo e ao mesmo tempo autoriza o seu uso comercial
privado. Isso quer dizer que aqui, nessa cidade de Oxum, a capital da nossa
baianidade nagô, se privatiza impunemente até praças e praias.
Mas em nossa
querida Soterópolis, não são apenas os patrões do carnaval da cidade que mandam
em quem governa. Mandam ainda mais os privateiros concessionários do serviço
público de transporte de passageiros. Péssimo e caríssimo serviço, até para animais
sem dono; serviço que só cumpre horários rentáveis, ao seu bel prazer, deixando
como indigentes na sarjeta operários noturnos à espera de transporte, até o dia
amanhecer.
Esses piratas
cobram tarifas abusivas, manipulando planilhas não auditadas de formação de
preço, chantageando o governo, exigindo e recebendo subsídios absurdos, com
base em receitas subdeclaradas, e custos superfaturados, aceitos passivamente
pelas autoridades.
E todos sabemos
que só haverá moralização nesses contratos de concessão, quando for exigido memória fiscal nas catracas dos ônibus,
o que revelará o valor real, colossal, das receitas auferidas pelas empresas de
ônibus, quando elas não são desviadas para contas bancárias de laranjas.
Mas também é
público e notório que todo governante ou sindicalista que ousa desafiar o poder
dessa máfia, em qualquer cidade do país, tem sua morte antecipada por tiros de
pistoleiros e a sua memória aviltada pela impunidade absoluta de assassinos e
mandantes.
E os escândalos
perpetrados pelo plano diretor da cidade, para favorecer os patrões da
construção civil, em detrimento da cidade e da qualidade de vida de sua
população?
Essa é uma das
faces da cidade. A outra face se revela nas palavras do meu lado esquecido de poeta:
A
FACE MAIS VISÍVEL DE SALVADOR
Ando
por calçadas arrebentadas,
como
as vias bombardeadas da Palestina.
Piso
em fezes, lama e urina,
como
se estivesse dentro de uma latrina.
Nesse
peso de andares e odores infernais,
ouço
o ruído estridente de músicas horríveis e banais,
como
se eu cumprisse a pena máxima de todos o
tribunais.
Seguindo
pelas ruas da cidade,
vejo
gente imunda, maltrapilha, maltratada,
como
se caminhasse por uma África escravizada.
E
caminho pelas ruas de Salvador,
sem
poder apreciar a sua beleza,
como
se a fome, a miséria e o abandono
embotassem
meus olhos de tristeza.
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